quinta-feira, setembro 30, 2004

Há raparigas maiores que outras

Parecia que estava à espera do autocarro há uma eternidade. Com a moca de erva tudo parece durar indefinidamente, principalmente o tempo…
Assim que entrei no autocarro dirigi-me imediatamente ao assento singular que estava mais perto, e ali fiquei todo esticado como se tivesse com as costas coladas atrás. À minha frente ia sentado um homem que andava de muletas, pois tinha uma perna menor que a outra. Tinha o cabelo, já grisalho, todo penteado para trás com brilhantina, na boca faltavam-lhe uns dentes de lado, e nas mãos pulsavam os anéis de ouro com ou sem brilhante, alternado dedo sim, dedo não.
Três paragens à frente entrou uma miúda, era apenas uma miúda de certeza, que já andava na “vida”. Embora gira, arranjava-se de maneira a fazer sobressair os seus atributos e falo em concreto das mamas que quase saltavam para fora. É claro que os machos bêbados e malcheirosos que iam no autocarro começaram logo a salivar como “pavlovs”. O “gimbras” à minha frente latiu e uivou mesmo, pelo menos com a moca assim me pareceu…Quando saí apercebi-me que tinha me enganado na paragem, estava a pelo menos a 700 metros da minha casa, mas “no problemo” lá teria de fazê-los a pé; acendi um cigarro e pus-me a caminho. À minha a volta a paisagem era um amontoado de vagabundos, latas vazias, cartões a fazerem de cama, sirenes e carros de polícia e putas, muitas putas: havia uma rua então que eram umas 15 e os chulos do outro lado da rua na penumbra.
Ainda se meteram comigo umas tantas mas eu não lhes dei cavaco, queria chegar a casa para me pôr a ouvir música descontraidamente, sim porque não estava em condições de fazer mais nada, nem de foder.
Assim que a voz de Jim soou nas colunas, deu-me como que um espasmo que me fez rodopiar e saltar que nem louco; se alguém me visse naquela altura de certeza que chamariam pessoas para me institucionalizar.
“Love hides in narrow corners, love is the answer”, canta Jim, e é mesmo verdade, pelo menos eu quero acreditar que sim, embora comigo tenha acontecido poucas vezes. Também nos dias que correm parece que anda tudo com medo de se apaixonar, tudo agarrado aos "namoradinhos" para se casarem brevemente, mas não deixam de mandar as suas quecas por fora. Elas e eles, é tudo a mesma coisa.
Enquanto as músicas se iam sucedendo, vinha-me à mente várias ideias de todo o tipo. Pensei que já não fodia há que tempos, que tinha de comprar o novo cd do Tom Waits e o do Cave, que tinha de comprar pasta de dentes, que devia de começar a fumar menos e dormir mais. Pensei em cancro, em mamas descaídas, em cus reluzentes, em broches passados, no cartão de crédito para pagar e no bocado de parede que me faltava na casa-de-banho. Pensei tudo isto e mais em poucos minutos, pois ainda só estava na terceira música daquele álbum.
Estava a começar a dar-me a fome e o sono, mas não queria sair do sítio onde estava, queria ter alguém ali para conversar, para poder olhar durante um bocado. Podia despi-la lentamente, ao mesmo tempo que íamos falando mais e dando uns beijos. Não tinha que haver sexo, pelo menos não naquele momento; a verdade é que me apetecia olhar para um corpo feminino nu. Não há nada como observar uma mulher nua, de preferência com a luz nocturna a banhar-lhe a pele. Observar as pequenas imperfeições e cicatrizes, a marca do bikini, a tatuagem ou piercing se fosse caso disso; no fundo explorar uma “no man’s land”. Por muitos homens que já tenham estado com essa mulher, existe sempre algo novo, que nunca ninguém reparou, algo que ela guarda lá muito fundo.
Era isto que naquele momento eu desejava, mas limitei-me a ir à janela apanhar ar fresco e fumar mais um cigarro, cagando para o cancro e coisas afim.
Uma mensagem nova fez-me tomar consciência da existência do meu telemóvel, que estava mesmo ao meu lado; tanto quando entendi naquela altura tinha-o trazido na mão para ali, mas já não me lembrava. Era Mónica a convidar-me para um café ou copo no dia seguinte. Era engraçado, ultimamente recebia mensagens de mulheres que só queriam falar e conversar comigo; foder nada. Devia estar a atravessar algum período em que transmitia um sentimento de segurança e tranquilidade, e então todas elas me vinham contar os seus problemas e maus momentos, normalmente associados a algum gajo que na altura andassem a comer. Sim porque todas elas não gostavam das pessoas com quem estavam, mas parecia que não queriam ver a verdade, que lhes bailava mesmo por baixo dos olhos. O que fazer: as mulheres são mesmo assim, complicadas; eu não as compreendo, mas como enquanto as escutava ia fazendo perguntas e apresentando teorias, às vezes recambolescas é certo, elas achavam que eu era um gajo porreiro para ouvi-las a descarregarem as suas amarguras.
Ah as mulheres; não podemos viver com elas, mas morremos se vivemos sem elas. Nós homens também somos uns palermas, isso é certo, desde os que deitam a língua de fora, como reacção pavloviana, aos armados em sensíveis.
Nada como ir ouvir o Wilde da Pop para olvidar estes pensamentos; nada como ouvir “Some girls are bigger then others” para ficarmos com um sorriso nos lábios, embora não deixe de ser uma das mais importantes verdades acerca da vida, que já foram cantadas.
Fui-me encostando na cama, sorrindo sempre, fechando os olhos que já me caíam pesadamente. Por fim o sorriso desfez-se, o queixo pendeu, e eu fui enterrando a mona cada vez mais na poça de saliva babada, que se ia formando debaixo da minha cabeça.

segunda-feira, setembro 20, 2004

Noites de JAH

A primeira vez saímos apenas eu, Bob “Rasta” e Judy: encontramo-nos os três no meio do Barrio depois de eu e Judy termos estado uma hora à espera do autocarro e de Bob ter estado no Blue a “secar”. Dirigimo-nos para o Jazz Bar para bebermos um copo e ouvirmos um bom som, Coltrane ou Bird, qualquer coisa assim. Deambulamos mais um pouco a ver os bares e numa esquina Bob pôs-se a fazer um charro de erva, mas erva angolana, não era uma “cena” qualquer. Ao verem Bob a desenrolar o papel jornal onde trazia a erva, a “chungaria” começou logo a aproximar-se como cães esfomeados perante um naco de carne. Ainda tivemos que aturar um chato que nos ofereceu pólen e conversa de “chacha”, e nós lá conseguimos arranjar paciência para o aturar.
Ainda estávamos nós a levar com os eflúvios daquele primeiro charro que mais parecia um supositório, e o efeito da erva já se começava a fazer sentir. Que maravilha! Descemos do Barrio à procura dum sítio onde púdessemos curtir a moca, mas sem darmos por ela íamos sendo assaltados por um grupo de uns 10 putos sem mais de quinze anos, de certeza. Para escaparmos metemo-nos num táxi e decidimos ir andando para outro sítio, menos perigoso, mas para mal dos meus pecados o bar que eu escolhi estava cheio de gente de mau aspecto à porta, de maneira que nos víemos embora a pé até casa da Judy. Andámos pa’ caraças sempre mocados e com a adrenalina, bombeada no sangue por causa do medo, a fazer com que estívessemos a olhar sempre de um lado para o outro à espreita…

Finalmente chegámos salvos a casa de Judy, nada dizíamos, nada de jeito pelo menos; só nos ríamos feitos perdidos, e Bob começa a falar de Jah, e de que tudo vinha e ia para Jah. E aquilo estava a fazer todo o sentido na minha mente, e as palavras de Bob Marley, ecoavam no fundo da minha memória, e também elas eram cristalinas e verdadeiras.
Judy arranjou-nos de beber, Bob fez outro charro, e ambos eram lindos. Ela sentada numa cadeira com rodinhas, com o cabelo curtinho, parecia uma punk; linda; sem nenhuma espécie de carga sexual associada a essa beleza. Bob ria-se enquanto falava de Jah e enrolava o outro charro.
Eu estava completamente em comunhão com todas as “good vibrations” que alguma vez existiram, Jah estava realmente presente no meio de nós, aliás como ele disse que estaria, sempre que mais do que um se reunisse em nome dele.
Todas as noites acabam e essa não foi excepção, fomos todos dormir já era de dia, com um sorriso estampado nas nossas caras.

Passadas duas semanas combinámos mais uma saída, desta vez Neige também foi; não a via há muito tempo. Neige era uma miúda linda, branquinha; estava um pouco mais magra e com olheiras; notava-se o cansaço no rosto dela, mas sempre bem disposta. Judy tinha acabado de tomar banho quando cheguei a casa dela, ainda foi fritar uns bifes para comer, enquanto eu e Neige falávamos das respectivas vidas. Achei Neige um pouco em baixo, mas hoje em dia quem é que não o está. Bob apareceu umas horas depois e seguimos todos de eléctrico para o Barrio, indo directamente para o Blue onde bebemos umas “jolas”. À saída do Blue passámos pela padaria para comermos, e seguimos para perto das Puertas Locas, onde a “gayzada” se junta toda e fica para ali a mamar copos e a deitar olhares. Bob não perdeu tempo e fez logo um charro daquela maravilhosa erva, pelo caminho. Ao passarmos pelos gays e lésbicas que por ali pululavam já iámos todos a rir, sem sabermos bem porquê. Neige tinha encontrado um amigo, eu, Judy e Bob só díziamos coisas sem nexo mas que se complementavam inexplicavelmente.
Mais do que da primeira vez senti-me mesmo bem e maravilhado com tudo o que ia acontecendo à minha volta, não havia pressas para chegar a lado nenhum e tudo estava em perfeita harmonia, até que fomos para a porta do Orange… Não entrámos logo porque Neige estava a beber uma cerveja, nisto aparece-nos à frente um gajo a pedir uns trocos, a insistir que lhe dessemos nem que fosse meio cêntimo. Neige vira-se para ele e diz-lhe que não existem meios cêntimos, ao que ele lhe pergunta estupefacto se ela estava a gozar com ele. Neige explica-lhe que a unidade monetária mais baixa é mesmo o cêntimo ao que ele lhe responde de braços abertos: “Não, estás a gozar? Dizerem-me que não existe meios cêntimos é o mesmo que me dizerem que não existe Deus…” A cena parecia tirada de um filme, mas para ser ainda mais surrealista só mesmo o que se passou a seguir. Enquanto o gajo-dos-meios-cêmtimos baixava os braços aparece um negro que para a 20 centímetros do Bob e lhe pergunta isto: “Onde é que está o preto? Onde é que está o branco?” e desata a rir a seguir… Aí o medo da primeira semana voltou; já maldizíamos a erva que ao mesmo tempo nos punha tão bem, mas até parecia atrair este tipo de cenas. Chegámos à conclusão que era mesmo isso, quem fumava esta erva milagrosa ficava com uma espécie de nimbo luminoso à volta, mas em vez de atrair mosquitos e bicharia afim , atraía era “chungosos”, malucos e gajos que nos queriam assaltar ou fazer mal. Esta erva vem de Jah e os outros não gostam de sentir deixados de lado da sua magnificência; não conseguem aceitar que nós estejamos “lá” e eles não.
Mas Jah é mesmo assim, faz destas para nos sentirmos vivos, para podermos apreciar as boas coisas, para criarmos e estarmos em harmonia.
Jah nos tira, Jah nos dá, Jah está todo lá dentro…


Dedicado aos designers de Jah: Inês, Ronaldo e Xana

terça-feira, setembro 07, 2004

Cadelas com cio

Laura tinha andado enrolada com Zé durante uns bons dois anos. Hoje em dia parecia-lhe, a ele, que até tinha sido tempo demais. Zé conheceu-a numa altura em que ela namorava com um gajo de quem já não gostava, para além de este ter uma pissa enorme que a incomodava bastante quando fodiam.
Começaram por se olhar umas tantas vezes, Zé pensando que Laura não o gramava, e Laura achando Zé um bocado arrogante, mas até gostando dessa atitude nele. Por essa altura proporcionou-se um jantar a que ambos foram; beberam os dois que nem mulas e no desenrolar da noite começaram de conversar, ele doido por mandar uma e ela também doida só que mais recatada e a fazer o papel de namorada fiel. A partir dessa noite começaram a sair, mas sem haver sexo, só uns valentes amassos. Zé já andava maluco da vida, porque a miúda nunca mais se decidia, nem a acabar com o namorado, nem a foder com ele.
Finalmente depois de um outro jantar em que Laura se emborrachou toda, e depois de passar a noite a mandar vir com Zé e a dizer que estava apaixonada por ele, lá fizeram amor, o melhor que o álcool lhes permitiu.
Zé serviu então de trampolim para Laura acabar com o anterior namorado e também, ao mesmo tempo, para ir descobrindo uma sexualidade que a própria Laura não sabia que tinha. No princípio tinha até alguns falsos pudores, não fazia broches nem nada, mas curiosamente adorava que Zé lhe lambesse o pito. Para Zé era incompreensível como é que uma mulher mais velha do que ele tivesse aquele comportamento, que se veio a comprovar mais tarde ser só fachada. Assim que começaram a falar mais sobre sexo e a fantasiar acordados, Laura começou a revelar-se.
Verdade seja dita, certas mulheres têm, latente ou não, um certo desejo de serem maltratadas, uma certa propensão para o masoquismo; Laura é uma dessas mulheres e Zé em certa medida despertava nela todos esses desejos recônditos.
Depois de mil e uma aventuras e outras tantas quecas, a última das quais na rua junto à porta do prédio de Laura, afastaram-se sem rancores e naturalmente. Embora tenha ficado um desejo sempre presente, que deu para umas tantas recaídas nomeadamente no carro de Laura, esse afastamento foi real até existir apenas uma espécie de amizade.

Para espanto de Zé um dia ao ligar a Laura, esta diz-lhe que estava à espera do namorado, ao que Zé lhe pergunta se era a sério a relação, se ela estava apaixonada. Respondeu-lhe que não sabia; ora se não sabe é porque não está, pensou Zé. Apesar disto lá continuou Laura com o “namoradinho” dela, Zé chegou mesmo a vê-la passados poucos dias com ele, juntamente com o pai e a irmã dele. E o gajo, um tal de Roberto, era um idiota de primeira, só pensava era no ginásio e em ganhar “caparro”, e mandar umas valentes quecas em Laura. Mas com os idiotas é sempre assim, o que não têm no cérebro sobra-lhes na pila.
Zé perdeu todo o respeito que tinha ainda por Laura, embora já fosse pouco também, porque depois de alguém nos fazer um broche numa casa de banho pública e querer que a sodomizemos num parque de estacionamento enquanto espetamos umas lambadas no cu, torna-se difícil haver grande respeito. Tesão sim, respeito é outra história.

Laura era apenas mais uma entre tantas que Zé já tinha encontrado por aí; por esta altura sentia-se cada vez mais cansado, não só no corpo que parecia cada vez mais decrépito aos seus olhos, mas principalmente na mente e no espírito. Cada vez mais lhe parecia que as mulheres tinham um e só um desejo: encontrarem uma bela pissa grande e grossa que lhes fizesse esquecer tudo o resto… Não passavam de umas cadelas com cio sem mais nada dentro da cabeça. Quanto aos homens onde ele se incluía, também não tinha grandes dúvidas: eram uns montes de merda sempre à procura de um buraco e de um “jogo da bola” na televisão, tudo isto regado com muita cerveja de preferência.
Zé desespera e começa a encarar o suícidio como a única via possível para deixar este mundo cheio de sujidade, falsas aparências e mentira; em que os homens são uns punheteiros e as mulheres são umas cabras.
Dentro das possibilidades escolhe os comprimidos como solução, já que tinha um amigo farmacêutico que lhe arranjava uns por fora sem perguntas.

Sexta-feira 23 de Março, um dia estranhamente quente e luminoso para aquela altura do ano, Zé abre as janelas, põe o único single em vinil que possuía: “This Is Not a Love Song” dos PIL; enche um copo com água e deixa-se ir sem esforço… A única coisa que os pais encontraram passado uma semana, para além do cheiro nauseabundo, foi um papel ao lado do seu corpo com o seguinte:

“As vossas almas e mentes caem no vazio,
Ninguém tem coragem para fazer a revolução;
Existem como montes de merda que fluem como um rio,
Vermelho e sujo como uma menstruação
De umas cadelas com cio”