domingo, julho 24, 2005

Somos o que amamos?

Bebo um gole de TriNaranjus de maçã pois tenho fome e nada tenho em casa que se coma, pelo menos nada que dê para comer imediatamente; até porque me sinto enjoado, com uma certa vontade de vomitar; ou foi de comer demais ao jantar, ou de ter fumado demasiados cigarros. Pensando bem estou assim devido à ansiedade que sinto, o que me levou a fumar mais cigarros do que fumo normalmente; tenho de deixar de fumar, para além de, provavelmente, me estar a causar um cancro, está a causar-me, isso sim, um rombo na carteira.
Espero, daí a ansiedade, por uma mensagem que não chega, por um olá de alguém, que nem sei se é real; para piorar as coisas hoje foi a noite em que um ponto final foi posto na minha história com Cristina. Não sei como as coisas chegaram a este ponto, mas sei agora, neste momento que será melhor assim, para ela e para mim também. Quando não conseguimos dar-nos a alguém, acabamos sempre por fazer esse alguém sofrer e isso custa-me a suportar, quer esse alguém acredite ou não.
Depois de Cristina sair, batendo violentamente com a porta, despi o meu robe turco amarelo, fiquei nu na minha sala, apenas as velas ardendo iluminavam a divisão fumarenta; vesti uns boxers, liguei a televisão e o DVD player, e dei por mim a ver o “Adaptation” do Spike Jonze. As imagens sucediam-se sem que lhes prestasse muita atenção, remexia distraídamente os meus testículos; sim todos os os homens o fazem, não sei explicar bem a razão: será que temos uma necessidade inerente, lá no fundo do nosso subconsciente, de termos a certeza em todos os momentos de que os nossos testículos se encontram lá, agarrados à nossa pila? Será que sonhamos ou receamos que “eles” possam ter decidido, por alguma razão, ir dar uma volta? Não sei, sei que o macho humano remexe nas suas “bolas” muitas vezes ao dia, na maioria dos casos sem o darmos conta.
A dada altura do filme salta uma frase que me desperta do meu torpor: “Nós somos o que amamos, não o que nos ama”. Este conjunto de palavras atinge-me, como um peido que nos sai do cu sem ter sido anunciado (é um paralelismo algo estranho, mas define bem aquilo que senti); e de repente dou conta de que nunca senti isso em relação a mim mesmo.
Sempre amei aquilo que os outros amaram em mim, ou melhor ainda, amei a ideia que os outros têm de mim.
Sinto-me desperto ao escrever isto, como se fosse uma verdade inabalável ou um Haiku ininteligível que resumisse a minha vida; e interrogo-me como posso adormecer depois de constatar esta realidade.
Se ao menos conseguisse ver-me pelos olhos dos outros, perceber aquilo que os faz afirmarem o que afirmam, por vezes apenas horas após me terem conhecido... Tenho passado a minha vida a pensar que sou uma pessoa de difícil compreensão, mas de vez em quando cruzam-se pessoas na minha existência que me lêem como um livro aberto. Pelo menos lêem aquilo que eu gostaria de ser, mas não tenho assim tanta certeza de que estejam a ler correctamente; possivelmente não estão a juntar as sílabas como deve ser, trocam palavras, alterando assim todo o sentido do texto, que no fundo sou eu.
Como é possível pessoas acharem que eu sou um ser extraordinário para em seguida, semanas ou meses depois, prosseguirem as suas vidas como se eu nunca tivesse existido? As poucas pessoas extraordinárias que conheci pessoalmente, marcaram-me de tal forma que ainda hoje sou afectado, sou assombrado por elas, pelos seus fantasmas. Não estarão todas essas pessoas por aí erradas acerca de mim? Não estarei eu completamente equivocado acerca do meu próprio ser? Chego a esta idade e penso que afinal, por mais coisas que tenha visto, ouvido ou lido, não sei nada acerca de mim; e muito menos acerca dos outros.
Não serei apenas mais um ser humano com mais perguntas do que respostas? Sou certamente – especial, não vejo onde está essa sparkle que mexe tanto com os outros. Será que o meu tédio omnipresente faz com que os outros fiquem confundidos e pensem que eu sou um homem profundo, sensível, mais em contacto com a vida? São todos doidos certamente – o mundo à minha volta, e para lá disso, enlouqueceu e esqueceu-se de me avisar.
Também quero ser louco, partilhar dessa demência que faz com que sintamos que pertencemos a alguma coisa ou a alguém: quero-me imiscuir nesse flow de gente e barulho e sentimentos e desgostos, risos loucos e choros amargos.