quarta-feira, agosto 31, 2005

In Vino Veritas

Estou bêbado mais uma vez, nestes últimos tempos tem sido uma constante na minha vida. Dos últimos seis dias, ou melhor das últimas seis noites, quatro delas fiquei bêbado, daquele género de beber um último gole e de seguida adormecer no sofá. As outras duas noites fiquei apenas “quentinho”; mais, ontem e hoje nem sequer jantei, apenas bebi vinho.
Maneira ridícula de afastar a dor, dirão alguns, mas não sei (ou não quero, ou não consigo) proceder de outra forma. Aliás o beber é só um dos aspectos, talvez até o mais aceitável; ontem por exemplo fiz pior: mutilei-me com um x-acto e escrevi a palavra LOVE no ombro. Desde que te conheci que esta é a terceira vez que faço este género de coisas, se bem que das outras vezes apenas me queimei com cigarros.
Não sei o que me leva a fazer isto, deve ser a mesma razão que me leva a ouvir músicas dos anos 80 e chorar e dançar. Chorar e dançar ao som do “Forever Young” ou do “The Power Of Love”… Ah a década de 80, essa década tão incompreendida e mal-amada, em que os casacos e blusões tinham chumaços nos ombros e em que os All-Star explodiram e toda a gente queria uns. Parece-me que em relação aos All-Star estamos a voltar a essa década, eu pelo menos tenho uns quatro pares comprados no último ano. Espero bem que os chumaços não voltem.
Mas os 80, que década!! A década do Basquiat, a década do declínio e morte do Warhol, a década dos Smiths, a década que viu morrer o Variações e o Ian, a década que viu nascer os New Order e os Happy Mondays e o fenómeno rave. A década das pastilhas e das outras drogas químicas, a década da traição e declínio dos Movie Brats. Em Portugal foi a década da libertinagem; uma geração inteira sucumbiu às drogas, mortos ou presos por causa delas. A década do Rock Rendez-Vous, dos Mão Morta e Pop Dell’Arte. Sem dúvida a minha década, se bem que a tenha passado numa cidadezinha saloia, a ir à escola e a ser um menino bem-comportado. Mas é a década de 80 aquela que mais me emociona, mesmo que seja ouvindo músicas Pop foleiras. É a elas que retorno quando estou em sofrimento.
É engraçado aos 21 anos quando sofri o meu primeiro desgosto de amor, passei dias inteiros a chorar e a dormir, quase nem comia, e não bebia definitivamente. Hoje aos trinta, embebedo-me, mutilo-me e oiço músicas com refrões orelhudos. Noto uma certa evolução, pelo menos sou mais pró-activo; não?
Sinto-me mal, não como grande coisa, dormir só se beber muito ou meter uns Valiuns; ando com umas olheiras de meter medo e emagreço a olhos vistos.
Cada vez me pareço mais com uma daquelas personagens masculinas que pululam nesses romances intemporais, romances esses povoados de amores impossíveis.
Posso dizer até que já sou mesmo uma dessas personagens romãnticas, só que em vez de viver num desses romances, estou condenado a habitar as páginas dos teus diários. Aí viverei eternamente; ou pelo menos até esses diários desaparecerem, serem deitados fora ou imolados pelo fogo.
Sinto-me velho e em termos cronológicos ainda não vivi nada… Trinta anos não são nada, mesmo que tenham sido vividos no limite, o que não é o meu caso.
Estou destituído de esperança, não mais quero sentir o que sinto agora; mas não sei amar de outra maneira. Talvez seja esta intensidade que afasta as pessoas de mim, ou talvez seja a minha incompreensão dos outros, ou então a minha existência tem uma razão de ser que é diferente da dos demais. Não sei… Sei que quero desaparecer, daqui desta cidade que amo, mas que agora me mete raiva, e me sufoca.
Esta cidade que é testemunha impassível de desgostos, de crimes, de violações, de suicídios e nascimentos; onde cada vez há menos lugar para o amor, pelo menos o amor verdadeiro.
Relações inconsequentes, acomodação, nada decidir; eis os valores actuais, e nós os sonhadores romãnticos, os seres diferentes ou especiais, estamos condenados a deambular pelos escombros das nossas vidas. De que vale então ser diferente, de que vale sonhar e acreditar no amor?
Neste momento vale muito pouco, a dor fala mais alto, e só me resta tentar afogá-la e silenciá-la.