sexta-feira, agosto 13, 2004

À noite um concerto

O dia começou como sempre: levantei-me a cambalear, fui-me despachar, lavar os dentes e tomar banho, e fui trabalhar. Apesar das 9 horas dormidas ainda estava todo partido.
Estive um ano sem trabalhar e ainda por cima o emprego que tinha era sentado ao telefone com uns “headsets” na cabeça a falar com clientes de um banco. Agora estou há um mês numa livraria a arrumar livros, atender pessoas, fazer embrulhos e a andar de um lado para o outro.
Bem as hora lá se passaram e quando fechei a loja apanhei o eléctrico e saí perto da “Garagem Paraíso” para ir a um concerto nessa noite. Mas cheguei cedo demais. Sentei-me ali perto numa paragem de autocarro a ler. À minha volta eram só bêbados e gente desesperada que vive por ali. Passou uma hora, tentei entrar para o concerto mas as portas ainda não tinham aberto.
Sentei-me mais um bocado a descansar os “presuntos” e tirei os ténis; tentei fazer uma massagem mas o suor acumulado, de ter estado o dia todo em pé, exalava um cheiro intenso demais.
Calcei-me e consegui entrar; revistaram-me às três pancadas como de costume nestas coisas e fui o primeiro a entrar na sala, não que isso tenha um significado por aí além; para ser franco para mim hoje em dia, tanto se me dá de ser o primeiro ou o último, desde que consiga ver o que quero. Longe vão os tempos em que ia às 9 da manhã para uma fila para ser dos primeiros a entrar no velho Estádio José de Alvalade para ficar junto ao palco…
Ao entrar dou logo de caras com um empregado “bichona”, que tinha ao mesmo tempo uma cara e um “look” perfeitos, como só os “gays” têm.
Fui logo mamar uma imperial pois estava ressequido do calor que tinha feito o dia inteiro e que ainda se fazia sentir ali dentro de uma forma mais intensa. Uma versão muito “electro” do “ Love will tear us apart” dos Joy Division ecoava; o ambiente estava muito clamo, mas a música bombava, muito à base dos 80’s mas com uma batida por baixo.
O “barman gay” saracoteava-se… Não percebo este fenómeno: será que levar no cú faz com que a espinha dorsal amoleça? Não sei como é que estás “mariconeras” se abanam desta maneira: eu não consigo – mas ao mesmo tempo parace-me uma cena “do positivo”, pois vê-se que a música percorre aqueles corpos, movendo-os ao som da batida; enquanto que um machão a dançar parece uma parede de cimento a tombar de um lado para o outro.
Penso eu que a música foi feita para ser curtida assim, livremente, sem inibições; veja-se como dançam muitas mulheres (nem todas, mas muitas delas), veja-se o menear da “nêgas” e dos “irmãos”.
Os brancos ou “pulas” machões, coitados, não dançam assim. Deve haver algo no cérebro destes que impede que se movimentem mais do que um passo para direita, outro para a esquerda, um p’ra frente e outro para trás.
A imperial acabou, ‘tá na altura de pedir outra e ver como é que isto corre. Estou na expectativa; os gajos que vêm tocar, já tem mais de 30 anos de carreira; mas ainda o ano passado lançaram um grande albúm. Ainda tão em forma, em estúdio pelo menos, vamos a ver em palco.
Isto está a ficar mais composto, gajas é mentira e a média da faixa etária está acima dos 30; eu devo ser o mais novo. Sou um puto – essa é que é a verdade, eheheh…
“Bejeca time again” e vou pedir ao “barman gay”, visto não haver mais ninguém por perto a servir. Dou mais uma volta pela sala para melhor sentir o ambiente; pelo menos já apereceram umas mulheres, algumas até bem jeitosas. Chego-me à frente do palco sem dificuldades, dali posso até tocar no gajo se ele se aproximar um pouco.
As luzes apagam-se e ali está ele: Vega, Alan Vega – o homem, o deus ( para alguns), velho, gasto e inchado, com o cabelo arranjado de uma maneira que até parece uma peruca, e óculos. Atrás vem Martin Rev o homem das teclas e maquinaria afim.
Começam logo a debitar som, Vega sempre cambaleante é uma sombra daquilo que foi, mas a voz continua ácida, acutilante e penetrante. Dão um concerto do caraças embora muito curto.
Ainda há tempo para beber mais uma e fumar mais um cigarro, e sigo para a rua. Para meu espanto Alan Vega está na porta dos empregados a dar autógrafos e a conversar calmamente. Dou-lhe o meu bilhete para ele assinar e digo-lhe: “great show, man”. Ele quase nem olha para mim e balbucia qualquer coisa; verdade seja dita o homem quase nem está ali. As drogas ao longo da vida devem ter sido tantas que o gajo agora está sempre “fora”, sempre num estado “zen” toxico-induzido constante.
Continuo no meu caminho para ir apanhar o autocarro para casa, saboreando o ar quente da noite. Hoje vou dormir como uma pedra, e amanhã, um dia como os outros, já se vislumbra.

domingo, agosto 01, 2004

Tédio, que me pedes distracção!

Todos os dias é a mesma merda: levantar para ir trabalhar. Vida entediante como tudo. O que vale é que de vez em quando acontece algo que nos ocupa a mente e distrai (também o tédio às vezes é tanto que não é preciso muito para nos distrairmos), e não estou a falar necessariamente de mulheres que elas causam mais problemas do que distraiem…
Hoje estava na livraria atrás do balcão e aparece-me um desses ex-sem-abrigo que vendem a revista “Cais”, gordo como um tonel e com as pernas em ferida; nem sei que doença ou problema de pele é que aquele homem tem, mas que tem mau aspecto, isso é "vero".
Bem o homem começou para lá numa algaraviada em que eu não percebi patavina; só consegui compreender que queria que eu lhe guardasse um saco durante umas horas; assim o fiz, agarrei no saco e pu-lo atrás do balcão e ele continuou para lá a balbuciar qualquer coisa antes de se ir embora.
Estes ex-sem-abrigo são seres interessantes, uns limitam-se a mostrar a revista e não dizem nada, como um que está sempre no Saldanha – nunca sorri, nunca fala e até já me apeteceu comprar-lhe uma revista porque o olhar do rapaz dá-me pena. Outros há, como o gordo-das-pernas-feridas que estão sempre a “remoer” e o pior é que falam com a boca fechada e não se percebe nada. Devem ser as consequências de viver na rua, penso eu; ficam todos meio loucos; a uns dá-lhes para não falar, a outros para estarem sempre a murmurar coisas sem nexo.
Pelo menos não andam a roubar ou a dar o cú, ou se calhar até andam, um gajo é que pensa que não.
Há outra que aparece pela livraria sempre a chatear os clientes: “Comprem-me uma revistinha, comprem-me uma revistinha”, anda às voltas sempre a dizer aquilo, mas também não tenho pachorra para lhe dizer para se pirar. Aquilo é a maneira dela ganhar a vida, por isso que se lixe, se alguém se sentir incomodado que diga.
Também de resto não se passa nada, as pessoas entram desfolham livros, compram ou não, porque não se pode comprar livros hoje em dia; são caros como a merda e também não é bom que as pessoas leiam muito, porque podem começar a ter ideias ou pensar em determinadas coisas, e as hostes políticas gostam é que o povão não faça muitas ondas, e andem aqui como carneirada a cheirar os cús uns aos outros.
De vez em quando lá aparece uma boa para alegrar a vista e fica-se por aqui; eu ainda tento ser simpático, mas careca e branco como estou, não tenho sorte nenhuma.
Ainda ontem apareceu por cá uma francesa toda gira e sozinha, que queria saber se estava na zona da Expo 98; a livraria é em Belém!?! Expliquei-lhe como ia para lá, até lhe escrevi tudo num papel e em inglês, mas nem sequer me lembrei de pôr lá o meu número de telemóvel ou assim… Não há simpatia que valha se não aproveitamos as oportunidades que se nos apresentam; se calhar estava à espera que ela aprecesse hoje ou amanhã, para me agradecer, não?!! Às vezes sou mesmo otário! Mas tutti benne, no fim do dia fecha-se o “estaminé”, reza-se para que não falte nada e embora para casa dormir que se faz tarde.
Nada como viver um dia a seguir ao outro!