domingo, novembro 07, 2004

3.3

"Desapareça o dia em que nasci,
a noite em que se disse:"É um rapaz!"


São 3.3 são as mulheres sentadas à mesa nesta sala, falando sobre a vida. Sobre as suas vidas. A mais velha das três fala sobre os seus últimos desgostos; e as outras respondem-lhe com os delas – os desaires amorosos, o sofrimento que passaram, o sofrimento que infligiram, os homens que lhes causaram dor, a dor que causaram a alguns homens. Todas passaram por isso e por mais. Duas delas recordam agora neste momento, penosamente, os abortos que, uma primeiro e outra alguns anos depois, fizeram; a fuga às responsabilidades dos companheiros da altura e consequentes depressões, choros e apatia. A mais velha por ser a que mais recentemente sofreu desgostos de amor, carrega no seu semblante uma tristeza que se sente e se insinua em todos os que para ela olhem. Os olhos, esses estão sempre brilhantes à beira do derrame de lágrimas que a custo ela sustém.

São 3.3 são as mulheres que conversam sobre coisas intangíveis aos homens; verdade seja dita poucas são as coisas que os homens entendem nas mulheres. Os homens esses seres crianças, que tanta falta lhes fazem e que ao mesmo tempo elas repudiam. Fartas deles estão estas três, pois todos os que encontraram e com quem se envolveram apenas souberam desiludi-las por palavras, actos ou tédio.

São 3.3 são as mulheres que embora sofridas e desiludidas e desconfiadas, ainda procuram o companheiro, o amigo, o amante, o cúmplice que por aí existirá algures, nem sabem bem elas onde. A mais nova das três já não embarca em amores loucos ou paixões arrebatadoras, antes conserva a seu lado alguém que lhe dá a segurança que a sua condição de jovem mãe lhe pede. A do meio não desdenha do amor, mas também não se entrega de alma ao princípio, tentando assim mitigar o sofrimento no fim; algo que acaba por nunca suceder.

São 3.3 são as mulheres; são belas, estão no auge da sua sensualidade, e ao mesmo tempo tão jovens ainda e já tão amarguradas. Agarram-se às suas profissões e cursos superiores como se fossem tábuas de salvação. São independentes, mas buscam um colo, alguém que lhes dê uma sensação de protecção. Talvez não sejam assim tão independentes, apenas não querem é ser dependentes de quem quer que seja.

São 3.3 são as mulheres, mas representam tudo o as mulheres são: são mães, amigas, companheiras, putas e indiferentes, solidárias, inteligentes, sensuais e carnais, interessantes e boçais; são um nada e são tudo, e continuarão a sê-lo enquanto este mundo for dominado pelos homens-crianças.

São 3.3 são as mulheres sentadas àquela mesa e o que ali se gera entre perguntas e respostas, risos e choros, é algo de belo, do mais belo que há; algo indestrutível, que nem todas desgraças, desgostos, violentações e violações pode alguma vez matar.

São 3.3 são as mulheres e na realidade são todas as mulheres que existiram, existem e existirão.