quinta-feira, dezembro 23, 2004

Rasgo o Asfalto

"O mundo começa a desabrochar em feridas"

As rodas vão rasgando o asfalto do acesso à grande metrópole, o traço branco interrompido faz-me companhia assim como a voz do Mr. Mojo no amplificador do carro.
Às colunas que sustentam os vários acessos, falta-lhes bocados arrancados por intermináveis acidentes rodoviários. Há um cheiro contínuo a borracha queimada e a metal retorcido no ar. Dirijo-me nem sei bem para onde, rolo apenas pelo prazer de rolar; acendo mais um cigarro, bebo mais um gole da cerveja gelada que comprei numa loja de conveniência.
Poemas nocturnos despoletam no meu cérebro, bófias com aspecto de agarrados vêem-se aos pares dentro de modelos de automóveis já velhos e ultrapassados.
Vivo em toda a parte, caminho para cima ou para baixo, caminho em direcção à perdição ou redenção; sou um inconstante; vejam, vejam-me a mudar constantemente.
Até o sol nascer estarei sempre a rodar, sempre em movimento.

***

Meio-dia. Levanto-me cambaleante em direcção à casa de banho para vomitar; apenas sai líquido alaranjado, certamente influenciado pelas cervejas bebidas no decurso da noite anterior.
Faço a barba golpeando-me quatro a cinco vezes, dois deles bem profundos; ao menos assim tenho a certeza que o sangue pulsa dentro de mim; estou vivo embora não pareça.
Saio de casa, rodo a chave na ignição, o motor ronca feliz por poder mostrar mais uma vez o seu poder. Dirijo-me para o inferno do emprego, pela frente filas e filas de carros; é sempre assim a qualquer hora do dia nesta cidade velha. O cheiro a bifanas anda no ar, misturando-se com o do asfalto gelado pelas noites deste inverno rigoroso. O meu banco de trás esse cheira a charros dos buracos feitos pelos “brindes”, a cerveja e vinho entornados e a sémen e suor requentado de fodas com mais de cinco anos. Um pequeno haiku ressalta-me da massa negra que tenho na cabeça:
“Broches, minetes,
misturados com trompetes
frios cortantes”

Só penso na vinda do crepúsculo para poder ver os anjos perdidos da noite; coxas que se arrastam provocantes e que me farão vir quando se roçarem na minha pele nua… Até lá bebe-se umas, fuma-se outras; entorpece-se a mente com eflúvios e devaneios vários.

***

A chama do isqueiro lambe a ponta de mais um cigarro, nada mais se vê dentro do habitáculo; o cabedal das minhas calças roça na manete de mudanças, lá dentro algo cresce, algo procura um sítio quente e húmido para se esconder. Paro num bar para mais um shot e uma risca de coca, este leva-me directamente à estratosfera. Meto conversa com uma morena peituda e cuzuda; dá-me bola; vamos, vamos para outro sítio; vamos para dentro do meu carro, afinal ambos queremos o mesmo, queremos enquanto somos jovens e fascinantes, embora não o sejamos realmente.
Paro num beco, a língua dela chicoteia a minha, a sua mão não se fazendo de rogada, explora e conquista todo o meu corpo; agarra-me o pénis habilmente como o já fez tantas outras vezes. Sem dar por isso tenho-o dentro da boca dela, quase que expludo no momento mas consigo aguentar-me; ainda não é tempo. Puxo-a para cima de mim, não há tempo para grandes trabalhos de língua da minha parte; ela, aliás pede-me que o meta dentro dela. Por mais incrível que pareça, assim que o enterro vem-se uma vez, continuo, não sei como mas estou a aguentar-me, parece que tenho 18 anos outra vez; ponho-me em cima dela agarrando-lhe uma perna por cima do meu ombro, nem sei como o consegui fazer dentro do carro. Diriam se me vissem que agora vou em grande estilo, pareço um garanhão latino a sério, mas já não aguento mais, enquanto ela se vem mais uma ou duas vezes, rebento dentro dela jorrando tudo aquilo a que tenho direito.
Sugou-me 10 anos de vida, mas valeu a pena; sinto-me vivo e desperto. Trocamos números de telemóvel; ela na esperança de repetir uma façanha igual eu na certeza de que me vou esquecer do papel em qualquer lado e arrepender-me depois.

O ronco do motor acompanha o baixo da música –“Well I’m the Crawling King Snake and I rule my den…” enquanto rodo a mais de 130 km/h no acesso principal. Exaspero por um embate frontal, mas sei no meu íntimo que não vai acontecer nada. Apenas queimarei um pouco mais os travões e os pneus neste asfalto já gasto mas ainda negro como uma noite sem estrelas.
Os bares de putas acompanham-me no meu caminho de regresso a casa; dormirei hoje como uma pedra, talvez ao acordar não vomite. Talvez…

terça-feira, dezembro 21, 2004

Lamento

Lamento isto e lamento aquilo,
Lamento tudo, não lamento nada,
Lamento eu, lamentas tu?
Lamento o que os meus olhos não viram,
Lamento os sonhos que não resistiram.

Lamento as fodas falhadas,
Lamento as fodas não dadas,
Lamento não construirmos nada de nosso, mas
Lá meto dentro sempre que posso.

Lamento o cigarro que acabou, pois
Lamento ter de acender outro;
Lamento o cancro que tarda; não
Lamento a ferida que sara, nem
Lamento as noites perdidas.

Lamento que as palavras que não te disse não te façam
Lamentar o que não consegues sentir;
Lamentarás tu, não me quereres como eu
Lamento que não me queiras?

Lamento a podridão que grassa não
Lamentando nem poupando ninguém;
Lamentará o pus infecto que contamina o meu corpo
Lamentado e crucificado?

Lamento; de que serve isso,
Lamentar o que fiz e o que ficou por fazer;
Lamentem antes vocês por mim, que eu apenas
Lamento ter de lamentar.

sexta-feira, dezembro 17, 2004

Natal I - Dilemas de Santa Claus

"Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra"

Enquanto rebentava o cú a um gnomo, Santa Claus, matutava em várias coisas ao mesmo tempo. Há muito tempo que tinha deixado de ir às renas, pois tinha descoberto que o cú dos gnomos era muito mais apertadinho; é claro que cada vez que sodomizava um, incapacitava-o durante uma semana, mas tinha tantos ao seu serviço que podia dar-se ao luxo de ter um diferente todos os dias, e ainda sobrava…
Na Sra. Claus já não se punha havia décadas, o que representava um problema para a Sra. Claus, evidentemente. De início a Sra. Claus pensou que se tratasse de uma fase, daquelas que os homens têm às vezes, mas com o passar do tempo viu que não era apenas isso. Começou então a masturbar-se; mas não era o mesmo. Recorreu em desespero aos gnomos (os que sobravam dos enrabanços do Santa), mas estes coitados com o tamanho de pilinha que tinham, só serviam mesmo para cunnilingus. Coitada, a Sra. Claus sentia mesmo era saudades de um bom mangalho a empalá-la e a enrabá-la.
Essa contudo não era uma das coisas em que Santa Claus pensava, andava isso sim preocupado com o aproximar do Natal, e como sempre tinha o problema da distribuição dos presentes. Estava cansado de pedinchões, mas o que o chateava mais era decidir o que dar aqueles seres pululantes denominados de adolescentes.
Não podia nem conseguia atribuir presentes a essa turba recorrendo aos mesmos critérios que recorria para as outras faixas etárias. Para ele os adolescentes não eram bons ou maus, egoístas ou solidários, empreendedores ou simplesmente preguiçosos; Santa achava-os a todos uma cambada de seres amorfos e indiferentes, no fundo eram uma “carneirada” de mansos
Santa Claus tinha passado o último ano incorporado num corpo de um livreiro para estudar melhor essa cambada. Sim é verdade, para além de enrabar gnomos e tudo o mais que lhe aparecesse à frente, Santa tinha o poder de se incorpar em corpos alheios, o que era bastante vantajoso.
Durante esse ano, contudo, em vez de ficar mais esclarecido relativamente aos adolescentes, tinha ficado isso sim, desiludido e frustado. Os adolescentes, pareciam-lhe umas fotocópias uns dos outros. Vestiam-se com ténis, jeans, longsleeves ou polos durante o ano todo, às vezes a mesma roupa durante dias; cada vez que iam ao balcão fazer uma pergunta parecia que tinham uma deficiência na fala ou então cerebral mesmo.; todos eles, embora uns fedessem mesmo, tinham um cheiro característico que era reconhecível a milhas. A maioria das vezes entravam indolemente pela livraria adentro indo buscar um livro de BD ou com “gajas nuas” como eles diziam. As várias edicões do “Kamasutra Ilustrado” também eram muito procuradas, por ambos os sexos.
Tentavam dizer piadas, mas sem graça nenhuma, embora se rissem muito uns com os outros; mas acima de tudo eram indiferentes a tudo. Tinham algumas inclinações, contudo: os desportos, principalmente jogados frente a um ecrán, em que o futebol era rei; roupa, sendo este um assunto mais caro às “miúdas” e sexo, embora a maioria fosse ainda virgem.
Santa não sabia o que fazer, apetecia-lhe dar-lhes pontapés na cabeça com umas botas de biqueira de aço, para ver se acordavam.
Seria isto o futuro da humanidade? Estava a humanidade bem tramada…
Depois de se vir no gnomo e de o deixar a cambalear, Santa retirou-se para o seu chalé privado onde se foi sentar na sua cadeira-de-decisões-a-tomar-quando-não-sei-o-que-fazer. Era apenas uma simples cadeira de baloiço, mas deu-lhe esse nome porque tinha a mania das grandezas.

Ligou a aparelhagem Bang & Olufsen (sim porque Santa só se rodeava de tecnologia de ponta e da mais cara, tirando a cadeira de baloiço, claro) e pôs a tocar uma banda que o seu amigo de longa data Belzebu lhe tinha aconselhado. Era aliás uma banda largamente conotada como sendo do Demo, o vocalista até tinha em tempos arrancado à dentada a cabeça de um morcego em pleno palco… Enquanto escutava o som poderoso que saía das colunas, Santa continuava sem saber o que fazer relativamente aos adolescente; baloiçava, baloiçava e nenhuma ideia lhe assaltava o espírito.
De repente e talvez influenciado pela música que ouvia, decidiu que nesse ano iria deixar esse trabalho a cargo de Lúcifer; macacos o mordessem se ele não estava farto de lhe pedir para tomar em suas mãos (ou lá o que a Besta 666 tinha no final dos braços) os jovenzinhos… Assim como assim ia-lhe fazer a vontade, e fosse o que Deus quisesse; quer dizer o que o Cornudo quisesse, neste caso.
Levantou-se pois da sua cadeira bem mais tranquilo e descontraído, começou a tocar uma guitarra eléctrica imaginária e a cantar: “ Can you help me? Are you for my brain. Oh Yeah”